"Agora é tarde, mãe." — O que os adolescentes estão tentando dizer sobre o vínculo familiar que não foi construído
- Marilia Queiroz
- 30 de jul.
- 3 min de leitura
Por: Marilia Queiroz, Psicóloga e Neuropsicóloga.
Na clínica, ouço cada vez mais adolescentes dizendo frases que os pais, normalmente, demoram para digerir:“Agora vocês querem fazer refeições comigo? Agora querem conversar? É tarde demais.”
Essas falas, duras e desconcertantes, refletem uma verdade negligenciada por muitos pais bem-intencionados: o vínculo entre pais e filhos não se improvisa na adolescência. Ele é construído — ou negligenciado — desde a infância.
A Ciência é clara: vínculo frágil = mais vício em internet
Um estudo robusto, publicado em 2019, com 300 adolescentes de 13 a 18 anos, confirmou o que a clínica já vinha nos gritando há tempos: quanto pior o relacionamento entre pais e filhos, maior o risco de vício em internet.
Esse não é mais um "achismo". A pesquisa mostra que:
Um relacionamento parental de baixa qualidade prediz diretamente a dependência digital.
Adolescentes com pais emocionalmente ausentes tendem a buscar refúgio nas telas, em especial nas redes sociais.
O autoconceito, ou seja, a forma como o adolescente se vê no mundo, está diretamente relacionado com o tipo de vínculo que ele tem com os pais — e esse autoconceito atua como ponte entre o relacionamento familiar e o comportamento online.
Ou seja, o adolescente que não sente pertencimento dentro de casa, que não é ouvido, que cresceu com pais ausentes emocionalmente (ainda que presentes fisicamente), tenderá a construir uma identidade frágil, propensa ao isolamento digital e ao consumo compulsivo da internet.
A teoria está aí. Mas a clínica escancara.
Adolescentes de 15, 16 anos — frequentadores de boas escolas, filhos de pais bem-sucedidos — revelam com todas as letras:
“Minha mãe quer conversar agora, mas passou a infância no celular.”“Meu pai quer almoçar comigo hoje, mas durante anos mal me olhava na mesa.”“Agora querem conexão, mas eu já criei a minha... online.”
Isso não é ingratidão, é diagnóstico tardio de um distanciamento que os pais acreditaram poder resolver com viagens, presentes e jantares pontuais.
Família não é evento. É rotina.
As famílias de alto poder aquisitivo costumam terceirizar o vínculo: babás, escolas bilíngues, atividades extracurriculares e psicólogos. Mas a formação do autoconceito saudável — este, sim, um verdadeiro fator de proteção — não pode ser comprado nem delegado.
E por mais que muitos pais só percebam a urgência do vínculo na adolescência, a Neuropsicologia infantil deixa claro: é entre os 0 e 10 anos que se formam as principais estruturas emocionais de pertencimento e identidade.
Se você está lendo isso agora, ainda há tempo.
Refeições em família, escuta ativa, presença sem celular, envolvimento emocional não são extras. São o mínimo para que seu filho ou filha entre na adolescência com solidez psíquica.
Se você está tentando "conectar" agora, aos 14 ou 15 anos, pode parecer — para ele — tarde demais. Mas ainda é possível reconstruir essa ponte. Não com discursos, mas com presença, paciência e constância.
Sobre a autora: Psicóloga Infantil, Neuropsicóloga, especialista em Neurociências e Desenvolvimento Infantil. Atua há mais de 13 anos na prática clinica focada em vínculos familiares e saúde emocional.

Referência: Huang, S., Hu, Y., Ni, Q., Qin, Y., & Lü, W. (2021). Parent-children relationship and Internet addiction of adolescents: The mediating role of self-concept. Current Psychology: A Journal for Diverse Perspectives on Diverse Psychological Issues, 40(5), 2510–2517. https://doi.org/10.1007/s12144-019-00199-9
Comentários